Conector apresenta...
6.26.2007
O que diabos é isso? É um artigo derivado de uma palestra que eu dei no início de junho na Faculdade Cenecista em Bento Gonçalves/RS. Inspirado nessa coisa de misturar meus dois backgrounds, resolvi desenvolver um texto especialmente para pessoas que trabalham em marketing e publicidade trazendo algumas dicas que eu aprendi no rock independente."
Sugestões, críticas, dúvidas, escreva pra gustavomini@gmail.com que eu quero expandir e aprimorar esse trabalho.
Gustavo Mini - editor do blog Conector, guitarrista da banda Walverdes e Coordenador de Conexões na Escala.
Vê aí se cola...
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Publicitário Indie?
Em 1993, aos 19 anos de idade, eu comecei formalmente em duas atividades fundamentais na minha vida: a publicidade e o rock independente.
Sim, publicitário
Como publicitário, trabalhei em pequenas, médias e grandes agências de Porto Alegre, atendendo todo tipo e tamanho de clientes regionais e nacionais: do Ministério da Saúde ao Albergue João Paulo II para crianças carentes. Do Grupo RBS (a Globo do sul) à Universidade do Vale dos Sinos. Da Grendene (indústria que vende milhões e milhões de sandálias de plástico com o auxílio de celebridades) ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Campanha eleitoral do PT, comerciais de carro, anúncios de moda, spots de rádio para uísque de segunda linha, quase tudo já passou pela minha mão.
walverdes + zefirina bomba em Santa Maria/RS. eu sou o de vermelho. é.
Pois é, indie
Pra começar, o que é "indie"? O termo vem da contração de "independent" e não define propriamente um tipo de som, mas uma atitude. Essa atitude geralmente se caracteriza por tocar sua carreira "independente" da verba e das vontades das grandes gravadoras, dos grandes veículos de mídia e do grande público. Nem sempre isso significa uma recusa a fazer sucesso e muito menos ganhar dinheiro, mas simplesmente o desejo de manter a integridade artística e se divertir mais - seguir cartilhas mercadológicas na arte frequentemente acaba com a diversão.
Historicamente, podemos dizer que o indie tem relação direta com o punk, mas foi nos anos 90 com a explosão do Nirvana que o termo ganhou - curiosamente - popularidade. O Nirvana veio do meio "indie" e desbancou das paradas pesos pesados da indústria do entretenimento (como Michael Jackson) sem de grandes elaborações marqueteiras que costuma caracterizar os primeiros lugares.
Como parte do meio “indie” brasileiro, venho tocando com os Walverdes desde 1993. Ao longo desses 14 anos, lançamos 5 CDs, aparecemos em reportagens de rádio, jornal, tv e, principalmente na internet. Viajando por todo o país com um show muito elogiado pela intensidade e pela crueza e assim conseguimos nos tornar um dos nomes mas respeitados do rock nacional.
Mas como é que você nunca ouviu falar da gente? Como é que a sua tia não faz a menor idéia de que temos toda essa marra? Aí está o grande ponto: o mundo mudou nos últimos anos e é possível ser relevante e consistente sem ganhar milhões de dinheiro e andar de limousine pra cima e pra baixo. Especialmente no setor de entretenimento, a internet virou o jogo e agora não são mais os grandes players que dão as cartas. Não precisa acreditar em mim, um reles publicitário indie. Leia a respeitável Exame.
Bom, a real é que essa nova lógica (bizarra para quem só sabe enxergar números e gráficos) me fez viajar por todo o Brasil e tocar em lugares interessantes, conhecer pessoas incríveis e acompanhar de perto a radical mudança que os hábitos de entretenimento e consumo sofreram nos últimos dez anos. Tudo isso com um grau de veracidade e uma vibração que não se vê em nenhum relatório de pesquisa.
(Já vou aproveitar pra reforçar uma coisa a respeito desse lance de indie: eu vou falar muito a respeito de integridade e paixão por música, mas isso não tem nada a ver com não gostar de ser pago justamente, muito antes pelo contrário. Sem essa de querer contratar banda ou curadoria por merreca. A cena indie, que começou catando moedas na rua, hoje gera emprego e divisas em várias cidades.)
O mainstream teoriza. O independente bota pra funcionar.
Mobilidade, cultura de nicho, produção de conteúdo por parte do consumidor, redes sociais. Longtail, cluetrain e snack culture. Enquanto os especialistas observam, discutem, analisam, formatam, encaixotam, milhares de jovens brasileiros estão vivendo e praticando naturalmente tudo isso que as grandes marcas buscam para si. Devido à maneira como essas pessoas estão estruturadas, ainda é impossível medir com exatidão o tamanho e o alcance dessa rede. Mas as evidências deixam cada vez mais claro que existe “algo” acontecendo. Um “algo” que apesar de indefinido, exerce hoje uma grande influência no negócio do entretenimento enquanto experimenta modos de trabalho inovadores e que desafiam a lógica do mercado mesmo sem negá-lo.
Goiânia Rock City?
Como explicar que Goiânia, uma cidade com uma cultura pop totalmente baseada na música sertaneja e no estilo de vida rural de repente seja reconhecida nacionalmente por críticos e músicos como um dos pólos do rock no País? Não estamos falando de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, cidades com uma pré-história roqueira entranhada na sua cultura urbana, mas da terra que nos deu os Dois Filhos de Francisco. Pois Goiânia, de capital sertaneja, começou a ser apontada nos últimos anos como uma espécie de capital do rock independente graças à atuação de festivais, selos e bandas independentes. Tudo isso sem um plano de marketing megalomaníaco, verbas astronômicas, planejamentos estratégicos mirabolantes ou frias pesquisas de comportamento. Tudo isso simplesmente porque as pessoas que construíram essa imagem pensam e agem como o consumidor em vez de tentar emular seu comportamento. Quantas empresas não gostariam de ser protagonistas de uma história dessas? Muitas investem milhões em ações parecidas e não conseguem resultado algum.
Cuiabá, Recife, Natal e por aí vai
Isso não está acontecendo somente em Goiânia. Festivais, selos e bandas independentes estão construindo um circuito que está cobrindo todo o Brasil com eventos e lançamentos culturais em cidades totalmente ignoradas nos cadernos culturais do eixo Rio-SP. Que tal participar ir até Cuiabá (MT) assistir ao ótimo folk do Vanguart ou ao stoner-rock do Fuzzly no Festival Calango, que já recebeu 3 mil pessoas sem ter uma atração pop conhecida em uma de suas noites? Ou quem sabe ir até o Acre conferir no festival Varadouro o som do Los Poronga, produzido pelo guitarrista da oitentista Plebe Rude? Você ainda pode, na volta, passar pelo festival Mada ou o Do Sol em Natal, no Aumenta que é Rock em João Pessoa, Abril Pro Rock em Recife, Goiânia Noise em Goiânia, Porão do Rock em Brasília, e isso é só o começo da tour.
Orkut ao Vivo
Os festivais independente são uma espécie de Orkut ao vivo. Lá, bandas, público, produtores e jornalistas se encontram e conversam no mesmo nível. A circulação de informação qualificada é altíssma, pois são pessoas apaixonadas, altamente informadas no que está acontecendo na cultura pop mundial. A venda e a troca de CDs, camisetas, acessórios e revistas é freqüente, mas a troca de informação pesada acontece da maneira mais tradicional e eficiente que existe: de pé na platéia ou no backstage batendo papo com uma cerveja na mão.
Artistas de vendagem expressiva como Pitty e CPM 22 vieram desse meio. Ralaram anos no circuito independente formando uma base de público sólida e fiel que garantiu a sustentação da sua carreira antes de estourar. Diferente de muitos artistas “fabricados” pelos hoje capengas departamentos de marketing de gravadora, eles chegam ao mercado mainstream com mais consistência e uma base de fãs já altamente fidelizada pelo contato direto nos festivais, nos shows e pela internet. Isso garante à gravadora uma vida útil do artista como produto muito maior do que os artistas “fabricados” - que nunca se sabe se vão durar 6 meses ou 6 dias.
Qual é o segredo desses malucos? Como pessoas que não estudaram marketing conseguem criar e movimentar uma máquina de entretenimento que, se não é considerável em termos quantitativos, com certeza está ajudando a mudar a cara da música no país e oferecendo uma nova perspectiva para um mercado em transformação? Como fazer, sem muitos recursos, um festival de 3 dias com seis mil pessoas assistindo mais de 30 bandas que não tocam nas rádios nem na televisão mas que tem suas músicas cantadas pela platéia nos shows? Como mudar na mídia especializada, a mais pentelha de todas, a imagem de uma cidade?
A fórmula do sucesso é...
Não existe uma fórmula. Cada banda, cada selo, cada cidade faz à sua maneira e essa é parte da magia. Mas se você trabalha com marketing e publicidade, aqui estão 4 lições básicas que eu aprendi misturando minha vida de publicitário com minha vida de indie e que podem ser úteis pra você ter uma visão mais ampla e mais interessante da sua atividade.
Sem precisar falar em lucros ou trabalhar dentro de planejamentos rígidos, toda experimentação é mais que bem-vinda. É natural, é normal, é questão de sobrevivência. E é divertido. Isso explica o lançamento e sucesso de artigos impensáveis do ponto de vista lógico-comercial como compactos de vinil ou festivais em Goiânia. Dessa maneira, a cultura independente está livre para reinventar novas formas de interação e comércio e para dar certo. Muitas vezes dá certo porque ninguém sabe que poderia dar errado.
O mercado costuma viver tão imerso em números que esquece que ninguém no fundo está falando de dinheiro. Mesmo multibilionários dificilmente estão obcecados unicamente em grana. Pessoas como Bill Gates e Rupert Murdoch são apaixonados tanto por poder quanto pelas áreas onde atuam. Se eles gostassem só de dinheiro, já teriam se aposentado há horas. Na cultura independente, da mesma forma, dinheiro é importante porque é o que faz as coisas acontecerem. Mas não é o elemento preponderante. Se fosse, uma boa parte do povo envolvido teria escolhido outra profissão rapidinho. O que une as pessoas são as paixões.
No rock independente, como em outros nichos, as pessoas investem todas suas economias, sua energia, viajam, atravessam estados, passam desconforto por recompensas não-comerciais. star ciente disso é fundamental para construção e gerenciamento de conteúdo de marca sob pena de você começar a tomar decisões comerciais quando o assunto em questão é absolutamente passional. Às vezes a melhor maneira de ganhar dinheiro é não pensar em dinheiro.
Essa é a regra mais simples e a mais desrespeitada: entregar essencialmente o que de fato tem relevância na vida do público e na linha histórica do nicho em que você está entrando. As pessoas se conectam mais profundamente em torno de conteúdos que trazem verdades. Em um mundo cada vez mais pasteurizado, isso é um produto de alto valor. Muitas marcas tem projetos de pouco impacto porque atrelam seus projetos a conteúdos muito passageiros ou de importância rala, o que dá pouca profundidade à experiência dos consumidores. Se você não entende nada de um nicho específico, não fique tentando fingir que é da turma. Admita que você não é da turma e contrate urgente alguém da turma pra ajudar sua marca a não passar fiasco. Pague bem essa pessoa (muitas vezes chamados de curadores) e, acima de tudo, faça o que ela está dizendo.
Os festivais independentes também entram em ressonância com a necessidade que as pessoas estão tendo em encontrar manifestações concretas e reais face à crescente digitalização do conteúdo que produzem e consomem. Na mesma medida em que nossas músicas, filmes e fotos são armazenadas em frios discos rígidos ou CDs regraváveis, cada vez mais precisamos de experiências e sensações do mundo real. Quanto mais músicas trocamos por computador, quanto mais ringtones baixamos para os nossos celulares, mais shows queremos ver e com mais pessoas queremos falar. Robert Klanten, na introdução do livro Hidden Track – How Visual Culture is Going Places, nota isso na área do design gráfico, mas podemos claramente ver essa tendência se espalhando por todas as áreas do comportamento humano. E não seria diferente com a publicidade. Cada vez mais as marcas estão em busca de ações no mundo “real”, fugindo das páginas de revista e dos comerciais de 30 segundos não apenas porque é uma tendência da publicidade, mas porque é uma tendência de comportamento. Sim, as comunidades virtuais são um assombro, os mecanismos de mensagem instantânea e os torpedos trouxeram novas formas de relacionamento e de linguagem. Mas diferente de todas as previsões yuppies dos anos 80 e por mais que a violência urbana se alastre, não estamos vivendo uma fase tão radical de cocooning, nos trancando dentro de casa.
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Eu sei, não tem nada de novo aqui.
Todos esses pontos parecem óbvios. Em de fato, são ridiculamente óbvios. O problema é que estamos vivendo numa época em que a busca do diferente e do impactante faz as pessoas esquecerem de fazer bem o óbvio. Se apaixonar por um assunto, viver em torno dele, trocar idéias sobre esse assunto com outras pessoas apaixonadas – e de preferência pessoalmente. São coisas óbvias, mas que nunca deixam de ser importantes porque são elas que nos fazem sentir vivos. E querer sentir isso não é exclusividade de um segmento, de um tipo de consumidor ou de uma marca específica. É um desejo simplesmente humano.
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